Os patos*
O peso do papel latejava inquieto
em seu bolso, tão pesado, tão pesado. E como reconfortava. Domingo. Dia de
Carne. Às vezes não tinha carne. Mas tem comida. Poucas certezas da vida.
Passos rápidos, passos lúcidos. Pressa ansiosa. Passa de pressa para passar a
prece do lar. Depois desta rua, da padaria do Joaquim e da feira. Da padaria do
Joaquim e da feira. Da feira... Feira. Feira! Frutas,
pessoas, produtos. Ponderava em perder poucos períodos para um pequeno passeio.
A passos lentos e passos
curiosos, observou detalhadamente aquele fenômeno magistral (e como era
interessante), fixava a vista nas variadas opções oferecidas no evento de
tantas cores - verde, amarela,
alaranjado, marrom, azul, roxo, preto e branco - com recantos e cantos cantando
incessantemente pelo descobrimento prestes a acontecer. Perfumes doces
adocicados pelos incensos na barraca da cigana e também pelos legumes daquele
velho agricultor sentado na caçamba de seu histórico caminhão, contudo são os
ácidos à acre, quentes, sensuais, secretos, silenciosos e individuais que o
instigam a adentrar nos misteriosos atrativos, buscar o incomum, o pitoresco, o
exótico, e enlouquecer nesta procura inebriante até encontrar aquilo que sempre
lhe falta.
Aqueles olhos, olhos de mercador,
ávidos e afiados, o atraíram. Convidaram-no a sentar, perguntaram-no nome,
profissão e idade – as duas últimas respostas surpreenderam tanto pelos anos,
tanto pela ausência deles – ofertaram-no o vazio da alma, o feixe da lacuna
(erma e errante). Era circular, arredondado, meio oval, esférico, envergado.
Preto, azul e cinza – cores da areia – entrelaçavam-se em espirais concêntricas
tortas e quebradas até a superfície brilhosa, revestida por um pouco de pequenas
pedras esparsas de vidro e de calcário foscos. Peso de papel.
A nota em seu bolso torceu-se em
desespero para sair e ser trocada pelo peso real. É tão bonito. Gosto de
olhá-lo. Acho que Maria e as crianças também vão gostar. Pensava
introspectivamente ocioso, enquanto indagava o preço. Todo o almoço. Mas era
tão belo! Fixado e apaixonado, retira todo o alimento reunido em um mísero
papel.
Vira-se exasperado correndo.
Corrompido. Com medo. Correndo. Cáustico. Caótico. Correndo. Nestes mesmos
instantes, os olhos agudos tornam-se em sorrisos de escárnio escorrendo de
escória. Lábios tão doces quantos seus
olhos. Cruza o tempo e a porta ansiosamente esperançoso, crédulo cretino.
Clamam por comida. Diz possuir algo melhor. Gritou por todos. Em breves passos e finais de convocações, já
se reunia a plenitude. Olhou a todos sorrindo. Retribuíram-lhe com avidez
ardente. A mãos rápidas e trêmulas, reuniu algumas das cobranças, sobre a
pequena mesa do conjugado cozinha-sala-quarto, em uma pilha retumbante, e
posicionou o aparador sobre o centro desta. A visão calou o silêncio. Sentaram
pelo sentimento. Calados. Comovidos. Constrangidos.
Gustavo Minho
*O título é relacionado a obra de Dyonélio Machado
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