Noite no tabaco
O vento quebrava as tentativas dele acender o cigarro, perturbava a
chama do isqueiro e sorria pelo fracasso. No entanto, uma hora cansou-se da
brincadeira, e permitiu a Nillo fornecer vida, para seu cigarro. Estava frio,
gélido e fugaz. A forma enregelada do tempo mais desconfortável, período de
transição, ventania e baixa temperatura. A fumaça crepitava em tremulações
cintilantes e sedutoras. Luzentes seres de brilho opaco e movimentos dançantes.
Reluzentes relances do etéreo encarnado. Ao mesmo tempo em que cumpria todo
esse ritual, apenas escorregava dos três términos vermelhos incandescentes.
Junie envolvia-o em toque tácito e histórico, tão natural quanto
artístico. Cinematograficamente ensaiado. Uma delicadeza imagética que
resplandecia sua bela aura pensante, que pensante. Lupino, por sua vez, fazia
do trago ato voraz e ansioso. Expelia a fumaça com a força de cada alvéolo;
saia corrida e apressada, como se estivesse sendo expulsa de sua função
amenizadora. Nillo, entretanto,
balançava exaltado o cigarro entre os dedos, toques ordenados na harmonia
insana da vida. Em cada batida, uma nova ideia, e uma nova cinza que morria.
Formávamos um grupo diverso, e dessincronizado. Com o
questionamento evidente sobre o elo de vínculo interpessoal pulsando sedente e
curioso. Uma garota de saia xadrez, sapatilha e cardigam, recém saída de algum
filme francês, ou qualquer outro europeu. Um garoto de roupas extremamente
informais para a ocasião, que esclareciam sua falta de alienação e desapego a
regras sociais fúteis. Um jovem de tendências roqueiras de camisa xadrez e
jeans apertados. E enfim, eu, botas marrons e cabelo comprido penteado em algo
como Elvis. Talvez fosse a excentricidade, ou tamanha diferenciação ao meio, no
entanto, estávamos em nosso grupo, em nosso meio.
A noite pesava sobre nós, tão obsoleta e invasiva, indiscreta e
inquietante. Associava-se ao frio e a fumaça dos três cigarros para formar um
ambiente onírico. Surrealismo de paisagem concreta. Uma transição entre Dali e
Monet. Névoa cinza e azulada rodava e se torcia em ondas sinuosas para, enfim,
se perderem no céu negro e frio da noite.
A conversa fluía em mesmo tom e sintonia, em constantes regências
artísticas, teóricas e conspiradoras. Uma composição familiar como tantas
outras prosas perdidas pelo tempo, descompromissadas, seguras e complexas.
Confissões e comicidades se entrelaçavam no teor da intimidade memorial,
incrível e impecável. A nossa bolha contra o mundo. Nossa lata desolada.
*Esse é um excerto de meu primeiro livro, Gauche, espero que gostem.
Gustavo Minho
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