sábado, 19 de outubro de 2013

Contexto

Noite no tabaco

O vento quebrava as tentativas dele acender o cigarro, perturbava a chama do isqueiro e sorria pelo fracasso. No entanto, uma hora cansou-se da brincadeira, e permitiu a Nillo fornecer vida, para seu cigarro. Estava frio, gélido e fugaz. A forma enregelada do tempo mais desconfortável, período de transição, ventania e baixa temperatura. A fumaça crepitava em tremulações cintilantes e sedutoras. Luzentes seres de brilho opaco e movimentos dançantes. Reluzentes relances do etéreo encarnado. Ao mesmo tempo em que cumpria todo esse ritual, apenas escorregava dos três términos vermelhos incandescentes.
Junie envolvia-o em toque tácito e histórico, tão natural quanto artístico. Cinematograficamente ensaiado. Uma delicadeza imagética que resplandecia sua bela aura pensante, que pensante. Lupino, por sua vez, fazia do trago ato voraz e ansioso. Expelia a fumaça com a força de cada alvéolo; saia corrida e apressada, como se estivesse sendo expulsa de sua função amenizadora.  Nillo, entretanto, balançava exaltado o cigarro entre os dedos, toques ordenados na harmonia insana da vida. Em cada batida, uma nova ideia, e uma nova cinza que morria.
Formávamos um grupo diverso, e dessincronizado. Com o questionamento evidente sobre o elo de vínculo interpessoal pulsando sedente e curioso. Uma garota de saia xadrez, sapatilha e cardigam, recém saída de algum filme francês, ou qualquer outro europeu. Um garoto de roupas extremamente informais para a ocasião, que esclareciam sua falta de alienação e desapego a regras sociais fúteis. Um jovem de tendências roqueiras de camisa xadrez e jeans apertados. E enfim, eu, botas marrons e cabelo comprido penteado em algo como Elvis. Talvez fosse a excentricidade, ou tamanha diferenciação ao meio, no entanto, estávamos em nosso grupo, em nosso meio.
A noite pesava sobre nós, tão obsoleta e invasiva, indiscreta e inquietante. Associava-se ao frio e a fumaça dos três cigarros para formar um ambiente onírico. Surrealismo de paisagem concreta. Uma transição entre Dali e Monet. Névoa cinza e azulada rodava e se torcia em ondas sinuosas para, enfim, se perderem no céu negro e frio da noite.

A conversa fluía em mesmo tom e sintonia, em constantes regências artísticas, teóricas e conspiradoras. Uma composição familiar como tantas outras prosas perdidas pelo tempo, descompromissadas, seguras e complexas. Confissões e comicidades se entrelaçavam no teor da intimidade memorial, incrível e impecável. A nossa bolha contra o mundo. Nossa lata desolada.

*Esse é um excerto de meu primeiro livro, Gauche, espero que gostem.

Gustavo Minho

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